10/01/2010

Os Sacramentos do Baptismo e do Matrimónio no contexto da sociedade actual

Os cristãos sabem que são cidadãos de duas cidades: são membros da comunidade dos crentes, partilham e celebram com eles a mesma fé, procuram orientar a sua vida pelos mesmos critérios, e são simultaneamente membros da cidade dos homens, onde, com a força inspiradora da fé, se devem empenhar no progresso da sociedade no seu conjunto (A Igreja na sociedade democrática, Carta Pastoral da CEP, 2000, nº 2).

Em Portugal, quando estas duas cidades se colocam em confronto, o Estado, como representante da sociedade, reivindica o seu estatuto de laicidade para se demarcar da Igreja e dos princípios que a enformam. É o próprio Estado e a mentalidade generalizada nas sociedades democráticas, na linha do subjectivismo individualista que influenciou a cultura ocidental nos últimos séculos, que favorecem a “tendência de considerar a fé religiosa exclusivamente como um fenómeno da esfera da intimidade pessoal, pertencente à ordem privada, servindo isso de argumento para excluir qualquer influência da dimensão religiosa na vida pública e institucional da sociedade” (Ibidem, nº3).

Este dado acaba por ser aceite e defendido por muitos, tanto por aqueles que se afastaram da Igreja como por alguns que até se dizem “católicos cumpridores” mas, na esfera privada, como é evidente.


I
Problemas actuais



1. Ora, é precisamente perante este modo de pensar e de agir que não deixa de ser estranho que as celebrações da fé, nomeadamente do Baptismo e do Matrimónio, estejam cada vez mais a ser celebrações programadas e organizadas pela sociedade, através da variedade das suas instituições, e menos pela Igreja, mormente pelos responsáveis das paróquias que são as instituições da Igreja mais próximas das pessoas em cada comunidade e aquelas que, à face do direito canónico e das orientações pastorais, estão autorizadas a regulamentar tudo o que a estas celebrações se refere. Atente-se que estamos a falar de celebrações da fé, como são o Baptismo e o Matrimónio, e não das festas ou dos banquetes a que, normalmente, estão associados. Mesmo admitindo a complementaridade e a importância destes elementos para a festa, que a Igreja sempre reconheceu e promoveu, não se pode deixar de reflectir, no actual contexto, na ambiguidade que estas celebrações revestem e, sobretudo, no peso, na influência e no papel decisivo que se lhes atribui quando se trata de marcar os tempos de preparação, as datas e os lugares da celebração.

2. Acontece até que alguns jovens namorados pretendem casar-se e receber o sacramento do Matrimónio mas, à sua volta, cresce uma montanha de problemas criada pelo ambiente social e comercial em torno das cerimónias do casamento de tal forma que eles acabam por se juntar ou casar simplesmente pelo civil para evitar o aparato das celebrações na Igreja. E, por vezes, são pessoas crentes, que comungam em grande parte dos valores cristãos e pretendem depois baptizar os seus filhos. O resultado é que, só por ocasião do baptismo do primeiro filho ou dos filhos, eles decidem também casar pela Igreja, já sem a preocupação de fazerem uma grande festa.

Convém afirmar com clareza que a celebração do casamento não exige tantas coisas e, sobretudo, não implica os gastos económicos que as estatísticas habitualmente referem. A antecedência com que muitos noivos marcam o casamento tem a ver, quase exclusivamente, com a reserva do restaurante para a boda e muito pouco ou nada com a celebração do Matrimónio. O principal, que é a preparação dos noivos, a reflexão sobre o sacramento, a motivação pessoal e a própria celebração litúrgica, fica para segundo plano.

3. Os problemas colocam-se tanto para as celebrações do Baptismo como para as do Matrimónio mas, provavelmente, não serão exactamente os mesmos. É bom recordar que o sacramento do Baptismo já foi objecto de estudo várias vezes na nossa Arquidiocese e que, na sequência disso, se produziram diversas orientações pastorais. Já quanto ao Matrimónio, a reflexão pastoral tem sido mais limitada apesar de também ter conduzido, nos últimos anos, à implementação dos CPM’s em toda a Arquidiocese. No domínio da preparação dos sacramentos há, pois, um conjunto de orientações que têm dado alguns frutos, embora se reconheça que há ainda muito caminho a percorrer e que se trata de uma tarefa que nunca estará plenamente realizada. Tendo isto presente, as orientações pastorais a que se faz aqui referência têm mais a ver com a celebração do Matrimónio.

Aquilo que merece a nossa atenção, neste momento, são os aspectos económicos e sociais e a importância que revestem na celebração destes sacramentos. Os custos do casamento, o vestuário, os adornos das Igrejas, os grupos de animação, as reportagens filmadas e fotográficas, o lugar da celebração... tudo isto acaba por ter inevitáveis consequências na programação pastoral.

4. A história da celebração do sacramento do Matrimónio mostra que houve evoluções. O casamento começou por ser um assunto exclusivamente familiar, apesar das suas repercussões sociais e jurídicas; devido às transformações sociais, culturais e políticas ocorridas após a queda do Império Romano, a Igreja preocupou-se em assegurar à celebração uma publicidade que garantisse tanto a liberdade como a verdade do consentimento matrimonial; por esse motivo combateu os casamentos clandestinos e também por isso foi deslocando gradualmente o lugar da celebração das casas privadas para a frente da igreja: “in facie ecclesiae”, isto é, à frente da igreja (edifício) e à face da Igreja (comunidade presidida por um ministro ordenado). A partir do século XII passou a ser essa a situação normal.

Pode dizer-se que a disciplina do casamento passou de assunto privado e familiar a acontecimento público. A própria organização das sociedades modernas a isso obriga. A nível religioso acentuou-se o envolvimento da comunidade local na celebração do casamento dos seus membros.

O carácter público do casamento mantém-se e, a vários títulos, é notório. Mas, quando se trata da celebração religiosa, a participação da comunidade cristã local é muito reduzida. Praticamente, nenhum fiel participa na celebração se não for convidado. A comunidade cristã, na maioria dos casos, não é vista nem achada, quer para a preparação quer para a celebração... Depois, há hoje um alargado leque de possibilidades quanto ao horário e local da celebração, que fazem com que a comunidade paroquial nem se aperceba das celebrações. Parece que estamos a ignorar a história e a regredir no sentido de um refluxo no privado.

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